11 junho, 2006
"Tragédia das pequenas coisas" é o tema escolhido para o segundo ciclo de estudos e criação de textos do SuperNova Coletivo de Dramaturgos. Partindo deste tema genérico cada dramaturgo busca a sua idéia central, que é a opinião que expressará em seu texto. Acompanhe um diálogo entre os integrantes do SuperNova sobre a relação inicial com o tema.

Johnny Kagyn diz:
Ao que remeteu vocês o tema "tragédia das pequenas coisas"?

Ricardo Avarih diz:
A mim, não apenas às tragédias do dia a dia, mas às pequenas coisas que cada um de nós carrega que nos levam a conseqüências que podem ser desastrosas.

Alissandra Rocha diz:
O paradoxo é que é interessante. Uma tragédia sempre nos remete a coisas grandiosas, catastróficas, mas então existem pequenas coisas, movimentos internos, individuais, sendo transformados em tragédias pessoais. Me remete ao contexto de colocar os pequenos movimentos humanos numa condição de extrema urgência e necessidade conectada com algo maior.

Claudio Rosa diz:
Remete à pequenas coisas que nos acontecem diariamente, pequenas situações que parecem desprezíveis, inexistente, mas que carregam em si grande peso.


Johnny Kagyn diz:
Esta situação paradoxal citada pela Alissandra é o que realmente me chama a atenção. Pequenos universos individuais que são atingidos, destruídos... Mas nem por isso estas tragédias pequenas e pessoais têm menos intensidade. A expressão ”tragédia das pequenas coisas” em resumo o termo me lava a outra expressão, "tragédia subjetiva".

Alissandra Rocha diz:

Sim, é quando temos a pergunta, "tragédia pra quem"?

Claudio Rosa diz:

O problema é que a partir do momento que se tem uma tragédia "particular", tudo o que está ao redor é atingido e transformado.


Ricardo Avarih diz:
Eu penso também que há aquilo que é individual e pequeno que leva a grandes tragédias externas, neste aspecto...

Alissandra Rocha diz:
Mas quando falamos de uma tragédia pessoal, e se conseguirmos falar dela com a real importância que ela tem para o ser que a sente, será universal, quero dizer: se conseguirmos chegar ao âmago da questão, ao que realmente torna assustador nesta tragédia pessoal, será a tragédia de todos.

Ricardo Avarih diz:
A intensidade do trágico pode ser irrelevante vista de fora, mas destruidora em uma escala menor. Igualmente, uma tragédia que a um homem pode parecer pequena individualmente, pode gerar graves conseqüências externamente.

Johnny Kagyn diz:
Porém eu não acredito que necessariamente as tragédias pessoais tenham conseqüências trágicas no mundo exterior. Acredito que a tragédia, no caso a pequena tragédia individual, acontece sempre a partir de dramas subjetivos, que podem ou não ter relevância para o mundo exterior, mas que levam um ser a uma posição de paradoxo frente a vida. Aquilo que é pequeno, microscópico, o atinge, o modifica e o destrói.

Claudio Rosa diz:
A maioria dos seres humanos possuem medos e paranóias semelhantes, a diferença está na escala e na vontade que cada um tem para mexer em suas feridas.

Johnny Kagyn diz:
Mas você estaria reduzindo as possibilidades de tragédias pessoais a "medos e paranóias"?

Claudio Rosa diz:
Sim, posso estar reduzindo. Porém ao mesmo tempo estou especificando duas coisas que causam tragédias individuais. Não estou afirmando que seja só isso, mas os coloco como exemplos que geram tragédias.

Johnny Kagyn diz:
Portanto você acredita que dê para especificar causas para as "pequenas tragédias"?

Claudio Rosa diz:

Aliás, tragédias que muitas vezes não são nada para quem está de fora. E sim, dá especificar causas, mas entraríamos nas questões psicológicas.

Alissandra Rocha diz:

Acredito que existem mais os sintomas que as causas.

Ricardo Avarih diz:

Medos, dogmatismos, manias, doenças, repressões, traumas... A lista é infindável.

Alissandra Rocha diz:

Medo é um sintoma, paranóia é um sintoma.

Ricardo Avarih diz:

Acredito que se referia àquilo que desencadeia um comportamento causador de tragédia. Neste aspecto medo seria uma causa, paranóia um sintoma.

Johnny Kagyn diz:

Não acham que estão reduzindo tudo ao aspecto dogmático da coisa?
Sim, podem ser sintomas, mas estão desconsiderando motivos outros, pessoais e sutis.

Ricardo Avarih diz:

Exato, sintoma é conseqüência. Causa é aquilo que está interno, pessoal e sutil, que carrega a semente da tragédia. Essa causa pode ser um medo sutil que está no passado, pode ser um dogma, podem ser mil coisas.

Johnny Kagyn diz:

O que é para cada um de vocês, pessoalmente, uma tragédia pessoal?

Alissandra Rocha diz:

Incapacidade de resolver questões que visivelmente para os outros é algo simples. O engessamento é uma tragédia pessoal.

Ricardo Avarih diz:

A paranóia. Estar excessivamente assustado com o mundo até se afastar deste, e deste afastamento, perder a ligação com a realidade.

Claudio Rosa diz:

Querer realizar um desejo, mas por um motivo sem explicação não sair do lugar, mesmo sabendo o que exatamente fazer.

Johnny Kagyn diz:

Dedicar à vida a alguma coisa e ver esta coisa perder o seu sentido. É adquirir uma consciência que não revela ou justifica caminhos, apenas os nega e invalida.

Johnny Kagyn diz:
Então seria algo mais ou menos assim. É tragédia pessoa: A incapacidade segundo Alissandra Rocha e Claudio Rosa; A paranóia segundo Ricardo Avarih; E a consciência inútil segundo Johnny Kagyn.

Ricardo Avarih diz:
Existe aí um enigma. O do quê impede a busca pelo motivo pode ser a própria causa da tragédia? Encontrar o traço interno que provoca isso pode ser devastador para algumas pessoas.

Alissandra Rocha diz:

O que me importa é como o ser criou pra si próprio esse obstáculo. Quando ele começou a ser incapaz, por exemplo, quando ele começou a sentir medo, quando a sua consciência se revelou inútil...

Johnny Kagyn diz:

No que estas "tragédias pessoais" podem influir na criação dramaturgica de vocês?
A Alissandra me parece levar para o caminho da investigação. A busca de causas... É isso?

Alissandra Rocha diz:

Sim, eu gosto de investigar o início adormecido e anestesiado. Isso é interessante na dramaturgia pra poder explorar personagens nas situações limite do ser!

Johnny Kagyn diz:

Eu não gosto de generalizações. Acho que cada universo tem seu sistema próprio. Nem todos os obstáculos são criados internamente, assim como nem todos são criados pelo exterior. O que importa é a que ponto uma pessoa pode suportar a pressão de existir, com todos os medos, incertezas, desejos e dificuldades que a vida lhe apresenta. E o que mais me preocupa é ter consciência de uma vida vazia sem possibilidades de sentido ou realização verdadeira, a consciência que não trás consigo respostas. Logo, a influência na minha dramaturgia será enorme, começando talvez pelo aspecto de que eu não acredito num pensamento único e impositivo por parte do autor na peça e prefiro abrir possibilidades para o pensamento e as conclusões individuais.

Claudio Rosa diz:

Esse ponto que Você vem colocando Johnny, da pessoa se colocar questões, respondê-las e a possibilidade de não gostar das respostas que encontra ou não suportá-las é bem pertinente e cai como uma luva em uma tragédia pessoal. Concordo com a maneira que você encara a tragédia das pequenas coisas.

Ricardo Avarih diz:

Para mim, o medo é uma característica primordial, e eu acredito que é motivo para metade das tragédias, independentemente da escala delas. No plano pessoal, ela pode ser aquilo que cria algumas das existências vazias, dos impedimentos internos, dos dogmatismos, é muito amplo. É um caminho fácil, que nos exime de responsabilidade quanto ao que acontece ao redor, e que nos destrói quando chega a um ponto onde não nos permite mais fazer aquilo que precisa ser feito.

Claudio Rosa diz:
A minha relação com a incapacidade é a seguinte, me sinto tremendamente incomodado e me sinto preso, sei o que fazer mas não consigo realizar.

Johnny Kagyn diz:
O medo de uma consciência vazia muitas vezes me trava. Leva-me ao medo de ir adiante, de progredir. Faz-me sentir perdido, sem caminhos para justificar minhas ações.

Claudio Rosa diz:

Exatamente como me senti ao apresentar as novas estruturas para o novo trabalho.

Alissandra Rocha diz:

A incapacidade de resolver questões que para os outros é bem simples me engessa e me faz sentir menor e menos pronta para o mundo. É o limiar entre o desabar, o sucumbir com os medos e incapacidades e o despertar da necessidade do agir

Johnny Kagyn diz:

Mas ao mesmo tempo o medo se configura como um desafio, talvez desafio inútil, mas o único que justifica a minha vontade de ir adiante. É paradoxal, pois me trava e também justifica ir adiante.

Alissandra Rocha diz:

E aí temos material necessário para a criação do conflito motor do personagem. O paradoxo e também a situação limite, o momento de sucumbir ou agir.

Johnny Kagyn diz:
Sim, eu acredito que é desta investigação que chegamos ao ponto de definir a idéia central e por tabela o conflito que moverá o drama. Como que você chegou a sua idéia central Alissandra?

Alissandra Rocha diz:
Imaginei uma grande tragédia, uma verdadeira catástrofe, mas que aquilo fosse devastador para um ser, um único ser, que se visse modificado ou questionado por aquele acontecimento. E me perguntei o que é mais significativo: a grande catástrofe externa, ou a micro transformação interna? Cheguei à conclusão que não existe maior relevância entre uma ou outra, uma só existe porque está sendo confrontada com a outra.

Johnny Kagyn diz:
E onde entrou esta questão da incapacidade? No seu caso é a incapacidade de aceitar um destino, não é isso?

Alissandra Rocha diz:
Sim, é a cegueira, é ser incapaz de enxergar o que todos ao ser redor já enxergaram.

Johnny Kagyn diz:

Ricardo, no seu caso o medo e a acomodação têm relação estreita?

Ricardo Avarih diz:
Sim, tem. O medo, que não é exatamente a minha escolha, mas apenas um exemplo, está de uma forma ou de outra em todas as definições que até agora foram dadas. Para mim, ele é tão presente no dia a dia, nas grandes coisas, em tudo que fazemos que deve ser temido por si só, mas também aceito como natural. Acomodação em geral acontece por medo, como toda insegurança. Igualmente, o medo extremado da acomodação pode ser tão nocivo como a acomodação em si.

Johnny Kagyn diz:
Então você acredita que o medo seja o motor da acomodação?

Ricardo Avarih diz:
Sim, mas como eu disse antes, o medo é onipresente quando falamos dos conflitos que escolhemos, portanto não serve de foco.

Johnny Kagyn diz:
Claudio, você vem tendo problemas com a definição de uma idéia central. Isto tem relação com a tragédia pessoal definida por você?

Claudio Rosa diz:
Sim. Isso me incomoda muito e considero uma grande pequena tragédia. Tenho pensado já há duas semanas em uma coisa que fica bem ao lado disso a questão da carência.

Johnny Kagyn diz:
Mas vc não acha que isto já aponta um caminho para a definição da idéia central?

Claudio Rosa diz:
Concordo que é um caminho.

Alissandra Rocha diz:
Johnny e você, como a consciência inútil está entrando na criação da sua idéia central?

Johnny Kagyn diz:
A idéia central foi criada partindo deste ponto. A minha posição frente a este questionamento foi o que definiu a idéia central. Não tenho a intenção de explicar os porquês de uma hipotética “consciência inútil”, mas sim mostrar a mesma deixando a possibilidade de reflexão individual.
 
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