21 maio, 2006

A pergunta parece óbvia mas já a resposta...
Eu me deparei com essa questão pela primeira vez quando vi o espanto nos olhos dos atores que estavam sendo entrevistados por nós para compôr o elenco do SuperNova. E logo se seguia a pergunta: “Mas são vocês mesmo os dramaturgos dos textos que iremos montar?” E antes que a gente respondesse vinha o comentário jocoso: “Achava que Dramaturgo era lenda, coisa morta !”
Isso me deu um frio na espinha. Como assim, coisa morta?
Então me incumbi da missão de procurar exatamente onde se esconde esse tal de Dramaturgo. E aqui estão algumas pegadas, rastros mesmo, apenas isso.

Minha primeira parada foi na biblioteca mais próxima e lá encontrei e desencontrei muitos desses famigerados criadores de personagens. Confiem em mim! Eles estão lá, enfileirados e encabeçados por célebres cérebros. Mas ainda eram lendas, coisas mortas. Estará o Dramaturgo apenas nos grossos livros e ecos de vidas no passado?

Voltei para casa e surprendentemente encontrei o Dramaturgo no canto do seu cômodo, num incômodo danado, com ótimas idéias trancadas na gaveta e planos de realizações. Porém este não é influente o bastante no meio teatral para ver suas palavras sendo distribuidas generosamente pela boca de um ator.

Mais tarde no mesmo dia, passeando pela cidade, vi-o novamente , trabalhando num butequim para levantar um dimdim meio xinfrim para os seus curtos estudos cultos. Ah, isso eu também descobri. Dramaturgo estuda, mas não adianta procurar nas universidades. Lá não há, sequer quem ensine o dramaturgar!

Numa outra esquina, pude encontrá-lo mais uma vez, queimando as pestanas nos pequenos grupos e núcleos de estudo mantendo vivo seus verbos com verbas alheias, aliando forças e empilhando horas de trabalho, numa certeza tão efêmera de chegar as vias de fato, de chegar nalgum lugar concreto.

De certo, o que eu tenho é apenas uma pista ainda, uma informação que para muitos será o início de uma excitante procura: O Dramaturgo está vivo! O fazer dramaturgico está vivo! Pulsando por trás de mil palavras pensadas e milhões de cenas perdidas.

Alissandra Rocha - alissandrarocha@gmail.com
visite também: http://cntpteatro.blogspot.com
 
posted by Alissandra Rocha at 10:20 |
14 maio, 2006
Participam da conversa: Alissandra Rocha, Claudio Rosa, Johnny Kagyn e Ricardo Avarih.

Ricardo Avarih:
Acho que a dramaturgia foi de certa forma colocada em segundo plano. O que vemos hoje são grupos com uma marca autoral muito forte. Será que a dramaturgia para teatro precisa acompanhar as outras mídias (linguagem de TV, cinema, etc.) para se tornar mais atraente?

Alissandra Rocha:
Mas como se explicam peças que fazem enorme sucesso de público? Como as comédias da dupla Marcos Caruso e Jandira Martini, do Falabella e de tantos outros? Não estamos falando de boa ou má dramaturgia, mas estas peças acabam por ser bastante atrativas para o público.

Ricardo Avarih:
Mas o que é este “algo” que existe nos textos deles que não se encontra em outros?

Johnny Kagyn:
Acredito que a questão deva ser vista por um outro foco. É simples ver o porquê do sucesso destas peças. Primeiro, são comédias, e as comédias são uma espécie de porto-seguro para o público, pois é mais garantido ir a uma comédia e rir do que ir um drama e se emocionar. Segundo, é que todos os autores citados têm um trabalho dramaturgico em suas peças. Eles não são autores escrevendo para teatro. São dramaturgos que escrevem com conhecimento de mecanismos da dramaturgia. O Falabella, por exemplo, foi aos EUA para estudar dramaturgia.

Alissandra Rocha:
Então este “algo” é o conhecimento da técnica?

Johnny Kagyn:
Sim. Acredito que é isso mesmo. Não podemos também afirmar que não temos dramaturgos e que não existe dramaturgia na cena paulistana. Temos sim, e podemos citar como exemplo Samir Yazbek, Mário Bortolotto, e alguns outros mais. Mas a questão é que maciçamente o que temos são “autores de teatro” e não dramaturgos. Pessoas que escrevem para teatro sem conhecimento técnico de dramaturgia, e que por extensão não podem ser chamados de dramaturgos. E porque isso acontece? Acredito que porque hoje existem poucos lugares onde você possa ir para estudar dramaturgia. E se existem poucos lugares para se estudar, por conseqüência poucos dramaturgos surgirão. Autores de teatro surgirão aos montes, dramaturgos não.
Sem falar que existe uma cena que colocou a dramaturgia em segundo plano. Temos um teatro de diretor, o teatro de pesquisas do ator, o teatro de linguagem de grupo... E a conseqüência é que a dramaturgia vai ficando na periferia e até se vai criando certa resistência ao teatro que parte do dramaturgo.

Alissandra Rocha:
Mas além da resistência eu acredito que também exista uma surpresa. A gente pôde viver isso quando fizemos à seleção de atores. Os atores ficavam surpresos com os dramaturgos encabeçando um projeto. Quer dizer, a propriedade da idéia continua nas mãos de quem criou os textos, e por isso existe uma resistência por não ser algo comum. Mas acho que existem muitos atores que estão dispostos a trabalhar dentro desta proposta, bastando que pra isso a proposta exista.

Claudio Rosa:
Mas para isso precisa existir a figura do dramaturgo, certo? Não basta apenas o autor teatral, aquele que escreve peças e pode até ter méritos de qualidade literária, mas que não tem o conhecimento técnico dos mecanismos da dramaturgia.

Alissandra Rocha:
Acredito que um dos problemas que levam a este problema de termos a dramaturgia hoje na periferia da cena teatral, é que nos últimos, sei lá, 30 ou 40 anos acontece uma separação entre forma e conteúdo. E então existem os que defendem que o conteúdo na dramaturgia é mais importante que a forma, e quando o conteúdo é mais importante do que a forma você tem o panfleto, você tem a bandeira de guerra, você tem a ideologia em primeiro lugar. E isto é desinteressante. E no segundo grupo você tem aqueles que têm a forma como o mais importante. O que acaba resultando na vanguarda pela vanguarda e no hermetismo. E quando existe esta cisão o teatro perde por não estar total. Talvez, a possibilidade de unificar as duas vertentes seja mais inclusiva para a dramaturgia. Pois a partir do momento em que você tem que buscar a melhor forma para um determinado conteúdo. E a melhor forma não virá apenas da dramaturgia, da direção ou ainda do ator. A melhor forma virá sempre do conjunto de soluções e camadas colocadas em cena.

Claudio Rosa:
Uma coisa... Na década de 60,70 nós tínhamos vários dramaturgos atuantes, certo? Tanto que talvez os nossos dramaturgos mais representativos advenham desta época. Qual seria a explicação para a figura do dramaturgo ter ficado em segundo plano, ou na periferia da questão teatral como o Johnny disse, se já houve momento histórico tão diferente?

Johnny Kagyn:
Temos que lembrar que nesta época, que é quando o teatro moderno surge no Brasil, aconteceu um movimento muito forte e organizado. Primeiro com o TBC e os encenadores estrangeiros que trouxeram os novos autores europeus e americanos para acena brasileira, depois com o Arena, que foi um grupo que se reuniu para encontrar uma linguagem própria, o chamado teatro nacional, mas através do estudo técnico. Então no Arena foram estudadas as técnicas da direção, técnicas para o ator e também técnicas dramaturgicas. Ou seja, nada aconteceu por acaso ali. Inclusive, um dos poucos lugares para a formação de dramaturgos continua a ser o Arena através do SEMDA, Seminário de Dramaturgia do Arena, hoje tocado pelo Chico de Assis. Mas houve todo um movimento de estudo e aprofundamento técnico para se obter os resultados, como por exemplo, de uma peça como “Eles não usam Black-Tie”. E lógico que isto teve reflexo na formação dos outros dramaturgos daquela geração. Mas depois da década de 60/70, eu não tenho conhecimento de mais nenhum “bum” no sentido de surgimento de dramaturgos. Sempre surgiu aqui e acolá um ou outro. Mas de forma tão maciça...

Ricardo Avarih:
O que aconteceu foi mais um movimento de surgimento de grupos. No sentido que nasceram vários grupos, com linguagem própria e qualidade muitas vezes inquestionável, mas que eram frutos mais de um foco no ator e na direção que propriamente na dramaturgia. E começou a surgir a figura do cara que escreve para teatro e faz o seu teatro de um homem só, sem ás vezes ter conhecimento adequado de todos os processos.

Alissandra Rocha:
Mas este é justamente o autor de teatro e não o dramaturgo. É aquele ator que resolve escrever, tendo conhecimento do seu oficio de ator, mas sem nenhum domínio sobre técnicas de dramaturgia, ou ainda o diretor que conhece e domina o oficio da direção, mas também não tem conhecimento de dramaturgia.

Johnny Kagyn:
Sem falar naqueles que não tem conhecimento técnico nem como ator, nem como diretor e nem como dramaturgo, mas que fazem de tudo...

Claudio Rosa:
Mas voltando um pouco. Tirando o SEMDA, que ainda existe, onde as pessoas que querem ter conhecimento técnico podem ir para estudar?

Johnny Kagyn:
Sim. Este é um grande problema. O próprio SEMDA é um pouco restrito e pouco conhecido, pois não é uma escola com fins comerciais. Nas em poucas universidades o curso de Comunicação e Artes oferece a matéria dramaturgia. Inclusive parece que nem na USP, a Alissandra pode confirmar, pois cursou a ECA-USP, existe a matéria dramaturgia.

Alissandra Rocha:
Realmente não existe. E o que muita gente faz é fazer uma optativa em cinema para roteiro. O que acaba sendo uma saída, mas não é o ideal.

Claudio Rosa:
Então vocês acham que se, por exemplo, se estabelecesse a dramaturgia como matéria na USP, e se formassem 5 dramaturgos a cada curso, que seria uma solução?

Alissandra Rocha:
Seria um bom começo.

Johnny Kagyn:
Concordo. Pois isso com o tempo multiplica-se. É preciso lembrar que a universidade forma também professores. E com mais professores de dramaturgia a conseqüência é ter também mais dramaturgos e menos “autores de teatro”. E hoje o que acontece muito é autor de teatro dando aula de dramaturgia... (risos) O que é de certa forma uma perversão.

Conclusão aberta:
Existem sim muitos dramaturgos na cena atual. Porém é inegável que a dramaturgia foi relegada à periferia da questão teatral. Também é inegável o grande número de “autores de teatro” que não são dramaturgos, o que corrobora para que a cena seja dominada pelo teatro de pesquisa do ator e de estética do diretor. Pois de certa forma a falta de qualidade nestes “autores de teatro” justifica a busca por caminhos alternativos. Um caminho possível é o da formação de dramaturgos e para isso precisam existir mais “escolas”.
 
posted by SuperNova at 12:54 |
09 maio, 2006
Semanas atrás a minha amiga e companheira de SuperNova Alissandra Rocha me emprestou uma edição especial do “Caderno 2” do jornal O Estado de São Paulo publicada em 1995. Esta edição era totalmente dedicada à dramaturgia. Alguns encenadores, críticos e dramaturgos versavam sobre o papel da dramaturgia no teatro de hoje, no caso o de 1995.

Qual o papel da dramaturgia no teatro atual?

De 1995 para cá o panorama continua o mesmo, teatro de diretor e algum teatro de ator. Nada de significativo surgiu em dramaturgia. E não estou falando em inovação, estou falando de qualidade e consistência.

Em 2003/2004 surge a Cia. Dos Dramaturgos, grupo focado fundamentalmente em dramaturgia. É um primeiro passo. Em 2005 surge o SuperNova Coletivo de Dramaturgos, coletivo este criado principalmente para o estudo dramaturgico. É um segundo passo.

A dramaturgia reage?

Foram apenas dois passos. Qualquer coisa dita sobre os mesmos seria apenas especulação.
O que ficou claro, pelo menos para o SuperNova, é que a batalha é dura. Culturalmente está enraizado o teatro de diretor, de ator... Um teatro sem dramaturgo. Aliás, a proposta não é um teatro de dramaturgo, que fique claro, mas sim um teatro “com” dramaturgo.

Dois passos em uma caminhada de quilômetros representam o quê?

Onde se formam os dramaturgos? Qual é a escola especializada? Qual atenção é dada à dramaturgia nos cursos superiores de artes cênicas? Quantos novos autores teatrais têm conhecimento técnico de dramaturgia? Qual o papel da dramaturgia num teatro sem dramaturgos?

Dois passos foram dados. Significa que não estamos mais parados.

Visitem o blog da Cia. Dos Dramaturgos:
http://www.ciadosdramaturgos.blogspot.com/
 
posted by Johnny Kagyn at 03:09 |