18 junho, 2006

"O teatro é a minha arte, é a arte pela qual eu me apaixonei e a qual eu decidi me dedicar. Existem as outras formas de expressão, que eu também admiro, porém sobre as quais eu não tenho domínio, ou até mesmo paixão equivalente a que eu tenho pelo teatro. Eu considero o teatro como a minha família, onde eu me sinto bem(...)"



SuperNova
Você começou como ator. Como aconteceu esta decisão pela dramaturgia?
Johnny Kagyn
Não foi uma decisão natural. Eu não escolhi ser dramaturgo, foi algo que aconteceu. Quando estava trabalhando em um grupo amador de teatro, então com 14 anos, o diretor me chamou para colaborar na escrita de uma peça de cunho juvenil. A peça nunca foi escrita realmente, mas depois disso surgiu o interesse. Foi então que eu fui fazer o curso de dramaturgia com o Chico de Assis. Eu continuei trabalhando como ator, cheguei a me profissionalizar e tudo... Tem uma frase dita em um livro do Stanislavski que eu nunca esqueço, ela diz que todos no teatro entrarão pela porta da atuação, mas que no decorrer do percurso alguns se descobrirão cenógrafos, iluminadores, diretores... Eu me encontrei na dramaturgia.


SuperNova
E de onde vêem as histórias contadas em sua dramaturgia?
Johnny Kagyn
Eu não conto história. O teatro é a arte da expressão viva. O que eu procuro é sempre expressar uma idéia a respeito de algo para fazer o espectador refletir e chegar ás suas conclusões. Mas fazendo isso sempre de forma viva e teatral. E o teatro não é arte de contar histórias, mas sim é a arte de presenciar a vida acontecendo. E por isso eu não tenho essa paixão por contar histórias, eu tenho paixão por mostrar idéias e refletir o meu tempo em peças teatrais. Se desejasse contar histórias eu me abrigaria na literatura...
SuperNova
Como foi o trabalho com o Chico de Assis, o processo de estudo?
Johnny Kagyn
Eu comecei a estudar com o Chico com 14 anos num projeto chamado “Ação dramática”. Este projeto tinha vários cursos técnicos teatrais, como por exemplo cenografia, direção e dramaturgia, e o Chico era o responsável pelas aulas de dramaturgia. Esse projeto durou 4 anos. E eu participei de todos os 4 anos. Quanto à relação aconteceu o seguinte: o Chico é uma pessoa que impõe respeito, pela sua história, conhecimento e também pela maneira como ministra suas aulas, então eu passei o primeiro ano sem praticamente abrir a boca. Do segundo ano em diante é que houve um contato mais efetivo, onde havia um diálogo. No último ano de curso eu escrevi a minha primeira peça e o Chico a escolheu para ser apresentada em leitura dramática que ele mesmo dirigiu. Quanto à relação com o Chico... O Chico fala sempre sobre a relação de mestre e discípulo, que é uma relação diferente da relação professor e aluno, pois na relação do mestre com o discípulo o aprendizado acontece em duas vias e existe uma liberdade de caminhos a serem trilhados pelo discípulo, o mestre ajuda com a sua experiência e exemplo. Eu considero o Chico de Assis o meu mestre.
SuperNova
E quais são as outras influências que permeiam os seus trabalho?
Johnny Kagyn
Eu sou lixeira de influências. Tudo me influencia, desde música, vídeo-clipe, livros, artigos jornalísticos... Ontem mesmo eu estava pesquisando sobre Buster Keaton, cineasta dos anos de 1920, quando de repente me deparo com uma frase e tenho um insight que resolve um problema na peça que estou escrevendo. Enfim, o processo é tão louco que tanto um livro do Nietzsche ou de Kafka quanto um clipe ou música dos Strokes me influenciam... Eu sou uma lixeira de influências.
SuperNova
Você considera a dramaturgia o único meio para expressar suas idéias?
Johnny Kagyn
Não o único meio, mas é no qual eu me sinto mais à vontade. O teatro é a minha arte, é a arte pela qual eu me apaixonei e a qual eu decidi me dedicar. Existem as outras formas de expressão, que eu também admiro, porém sobre as quais eu não tenho domínio, ou até mesmo paixão equivalente a que eu tenho pelo teatro. Eu considero o teatro como a minha família, onde eu me sinto bem, e portanto nada melhor que se expressar aonde você se sente em casa.
SuperNova
No projeto colheita você também exerce a função de produtor. Como está sendo esta experiência?
Johnny Kagyn
Dificílima. Existem coisas para as quais as pessoas têm aptidão, e definitivamente eu não tenho aptidão para a produção. E isto devido a diversos fatores, como por exemplo a minha personalidade, o meu jeito de lidar com as pessoas... Definitivamente não facilitam. O resultado é que eu me sinto um estranho no ninho desempenhando esta função. Mas é uma coisa que não estou fazendo sozinho. Tenho a colaboração da Alissandra (Rocha) e do Claudio (Rosa), o que torna a tarefa um pouco menos dolorida.

SuperNova
O quê significou a criação do SuperNova Coletivo de Dramaturgos para você?
Johnny Kagyn
Significou muito. É difícil se encontrar pessoas com as mesmas vontades, os mesmos objetivos, e o SuperNova representa isso para mim.
SuperNova
Como é a sua relação com o “meio teatral”?
Johnny Kagyn
Eu sou um tanto à parte do “meio”. E talvez o problema principal esteja em mim, pois a minha personalidade é o quê não facilita as relações. O que tem ficado claro nos últimos tempos para mim é que as relações humanas, ou relações públicas, são muito importantes para o “meio teatral”, pois sem elas você praticamente está fora do jogo. Eu tenho um sonho, como diria o John Lennon, de que as relações fossem diferentes e extremamente profissionais, no sentido de que não se precisasse ter amigos (e muitos amigos!) para se conseguir êxito profissional e que bastasse a competência. Mas não é a realidade e tão pouco é algo exclusivo do teatro, é algo social.
SuperNova
No inicio do SuperNova houveram várias pessoas interessadas em integrar o projeto. Porque estas pessoas não continuaram?
Johnny Kagyn
Nenhum processo de trabalho sério e fácil. Nenhum projeto que está nascendo e que demande tempo para colher resultados é simples de se por em prática. É preciso muito trabalho e dedicação. Na dramaturgia principalmente, pois como não existem escolas, locais para formar dramaturgos, uma cultura de estudo da dramaturgia, acaba se ficando no mito parecido com o da literatura, onde o autor escreve por inspiração e pronto. A proposta do SuperNova, desde o ínicio, foi a do aprimoramento técnico. Não queríamos fazer por fazer. Queríamos fazer, mas tendo domínio sobre o que fazíamos, e por isso decidimos ser antes de qualquer coisa um grupo de estudos. E isso assusta as pessoas, pois muitas vieram com idéias românticas sobre o processo de criação dramaturgico. Para estas pessoas falar em técnica é praticamente uma heresia, visto que elas consideram que a técnica aprisiona. Eu considero que a técnica trás domínio e trás ferramentas para que cada um alcance a “sua” melhor forma artística. Mas para ter este domínio é preciso estudar, é preciso se exercitar. Muitos se assustaram, pois vinham com uma imagem romântica de que iriam se reunir e escrever peças maravilhosas, fazer amigos para sempre, e que tudo seria lindo. Sabemos que as coisas não são assim. A realidade é que vamos nos reunir, vamos quebrar o pau, muitos não irão um com a cara do outro, enfim... Mas no fim das contas isso não importa. O importante é que todos tenham um objetivo em comum e se dediquem ao estudo para ai sim a idéia coletiva sobreviver. Infelizmente muitos não concordaram com este ponto de vista, e esta é a razão para não terem continuado. A proposta do estudo técnico afugentou a muitos.
SuperNova
Como está sendo o segundo ciclo de estudos do SuperNova?
Johnny Kagyn
Este segundo ciclo está sendo muito interessante, pois neste ciclo nós estamos sistematizando o processo. Eu acho que este trabalho mais organizado onde etapas são propostas e cada passo é aprofundado, terá um resultado mais consistente no âmbito técnico. E também vai facilitar para a criação de uma identidade para o grupo, uma identidade de processo criativo.
SuperNova
As suas peças se enquadram no gênero “teatro do absurdo”?
Johnny Kagyn
Que fique registrado que esta pergunta foi uma provocação. Teatro do absurdo? Que teatro é este? Eu não conheço nenhum teatro do absurdo. Se você está se referindo à classificação que deram a Ionesco, Beckett e mais meia dúzia de dramaturgos, eu só tenho uma coisa dizer: esta é uma classificação idiota. Alguém por acaso já ouviu dizer do cinema do absurdo, pintura do absurdo ou de música do absurdo? Só existe essa classificação idiota para o teatro. Absurdo é que todos nós moramos numa bola, que gira em torno de uma outra bola maior que está pegando fogo, e ainda temos uma bolinha girando em torno da bola onde moramos... ah, e tudo isto está num espaço infinito... Agora me diz, o que é o absurdo?
 
posted by SuperNova at 15:35 |