23 abril, 2006

“Há sim uma grande preocupação minha em tocar o que não é normalmente tocado nas pessoas. Um lado mais sutil do entendimento das condições humanas. (...)”



SuperNova - Vamos começar já chutando a porta. Por que o teatro?

Alissandra Rocha - Bem, acredito que o teatro é a maneira que eu encontrei onde posso expressar na total plenitude as minhas idéias. Acredito que escrevendo posso tornar objetivo meu universo subjetivo. Dirigindo atores posso trazer o subjetivo deles a tona, e atuando consigo fazer valer o subjetivo de outra pessoa (do dramaturgo), acredito que nas outras artes (música, plásticas), eu talvez não alcançaria essa plenitude.

SuperNova - Você vem de uma família de músicos não é verdade? Como foi este afastamento da arte da família para o teatro?

Alissandra Rocha - Bem, na verdade minha família tem raízes no circo. Minha avó Alair Rocha tem uma vasta história no circo brasileiro. Acho que minha fonte de memórias artísticas está nesta parte da família. Minha irmã é musicista e desde pequena tenho contato com as dores e as delícias de ser artista. Quando pequena eu também fiz aulas de piano para agradar esse lado musical da família, mas não pode ter agrado melhor para os Rocha do que a escolha que fiz.

SuperNova - Quais foram os artistas que lhe influenciaram e influenciam nas suas escolhas como artista?

Alissandra Rocha - Bem, essa pergunta é muito relativa. Em cada momento da minha vida houve uma descoberta de grandes seres humanos que deixaram coisas inspiradoras. Posso dizer que hoje carrego comigo alguns ensinamentos de alguns deles, "artistas" ou não. De Peter Brook e Antonio Januzelli ( Janô ) a direção consciente. De Beckett, Tennessee Williams a dramaturgia cuidadosa. Fora muitos e muito teóricos que carrego debaixo do braço. Mas direção consciente e dramaturgia cuidadosa, isso é que me interessa no que foi deixado...

SuperNova - Como foi a sua integração e participação na criação do SuperNova Coletivo de Dramaturgos?

Alissandra Rocha - Eu conheci o conceito antes mesmo de ser SuperNova. Algumas pessoas estavam reunidas no ORKUT através de uma comunidade sobre autores de teatro. Comecei a me interessar pela discussão de uma preocupação com a qualidade da dramaturgia criada hoje em dia, e vi que as pessoas iam se encontrar para formar um núcleo de estudos. Também fui e me identifiquei de cara com a proposta de profissionalização do dramaturgo. Como diretora estava acomodada no fato de montar bons textos de Shakespeare, Moliére, Tennessee Williams, Beckett, mas como dramaturga sentia falta de aprimoramento e domínio de técnicas. Então depois de algumas reuniões solidificamos o SuperNova como um grupo de estudos e aperfeiçoamento.

SuperNova - Você está dirigindo a peça “Da Criação da Cena”. Como é a experiência de direção agora dentro do processo do SuperNova?

Alissandra Rocha - O Coletivo tem uma estrutura muito bem fundamentada. A realização de um espetáculo só deve existir depois da construção de uma base em que o espetáculo se sustente. Isso casa com o ideal de disciplina que eu tenho no teatro. Tenho o prazer de estar totalmente envolvida com todos os processos desta montagem. Além da direção deste espetáculo, participo também, pela primeira vez, da produção. Isso está me dando uma vivência global do fazer Teatral.

SuperNova - O que você pode nos dizer sobre a sua peça Eterno Ato de Sempre Ir, que faz parte desta primeira colheita do SuperNova?

Alissandra Rocha - Posso dizer que essa peça só existe em conseqüência da minha participação no SuperNova. Eu comecei a escrevê-la em 2000 na faculdade, quando tive que fazer um trabalho para a matéria “Fundamentos da Comunicação Humana”. Para o momento serviu aos propósitos ilustrativos do trabalho. Mas quando decidi retomar esse texto fui notando a necessidade de transformar o conhecimento que eu tinha, vindo apenas da observação, em algo que eu pudesse dominar e ter consciência do que estava fazendo. Por isso o texto tal como ele é hoje só existe por causa dos avanços que fizemos nos trabalhos do SuperNova.

SuperNova - Como você vê atualmente o Teatro no país?

Alissandra Rocha - Essa pergunta é extremamente difícil posto que estamos falando de um país imenso com multiplicidades culturais. O que posso dizer sobre o que vejo é que estamos há muito tempo neste movimento de achar saídas inusitadas em situações de extrema dificuldade. A falta de uma política cultural decente nos obriga muitas vezes a mostrar um produto mal acabado e de baixa qualidade. Mas algo nisso tudo me anima. Percebo que aqueles grupos que se mantêm fiéis ao seu ideal de qualidade e profissionalismo sempre conseguem achar um respiro e continuar seu desenvolvimento.

SuperNova - E a dramaturgia, especificamente, você acha que passa pelo mesmo processo?

Alissandra Rocha - Existe algo no teatro há uns bons anos que se chama “processo colaborativo”. Algo que o grupo Vertigem desenvolve com extrema qualidade e brilhantismo. Eu também trabalhei um bom tempo na universidade com esse processo. Mas infelizmente, acredito que são raros os grupos que conseguem desenvolver boa dramaturgia com esse processo. Às vezes vira um pastiche de idéias, algo que agrada apenas quem esteve participando do processo. Acontece algo que não é verdadeiramente teatral. Não há nada que possa realmente ser aproveitado dessa dramaturgia Frankenstein.

SuperNova - Mas e a dramaturgia autoral? Está esquecida e negligenciada? É isso?

Alissandra Rocha - Bem, hoje o que vemos é peça de diretor, certo? Ele escreve, ele corta, ele adapta... Talvez esteja sim faltando alguma qualidade na dramaturgia autoral atual.

SuperNova - Falando em autoral, quais são as suas vontades autorais enquanto dramaturga? O que Alissandra Rocha deseja dizer com suas peças?

Alissandra Rocha - Como eu disse anteriormente a necessidade da dramaturgia no meu trabalho é trazer meu universo subjetivo a tona. Eu tenho um mundo de coisas que gostaria de externar, mas tenho que encontrar a melhor forma de apresentá-las. Então não é só a busca de uma "história" interessante para contar, é achar a melhor forma de tornar isso vivo e vibrante aos olhos de todos.

SuperNova - Você enquadra a sua dramaturgia em alguma escola estética ou gênero?

Alissandra Rocha - Não sei ainda. Há sim uma grande preocupação minha em tocar o que não é normalmente tocado nas pessoas. Um lado mais sutil do entendimento das condições humanas. Algo onírico e metafórico. Talvez isso eu tenha o cuidado de preservar nos meus textos.

SuperNova - E no momento está escrevendo algo?

Alissandra Rocha - Sim. Estou no início de um processo de estudo com o SuperNova. Vou tentar trabalhar com o conceito do homem diante de algo maior que ele, o destino.


Alissandra Rocha é atriz, diretora e dramaturga. Seus Blogs:
Espaço Sideral
Zen Tá Bem!

 
posted by SuperNova at 22:56 |