09 abril, 2006
A conversa girou em torno da função de uma obra de arte na sociedade. Johnny Kagyn, Alissandra Rocha e Claudio Rosa começaram a conversa partindo de uma frase de Bertold Brecht dita por Paul Haggis no discurso de agradecimento pelo prêmio de melhor roteiro original por “Crash – No limite”. A frase diz que a arte é um martelo com poderes e funções modificadoras da sociedade.

Johnny Kagyn: Como artista gostaria que fosse possível ser Martelo. Mas poucas obras têm esse poder de transformar, moldar uma sociedade. E quando o faz, é pessoal, modifica um indivíduo e não um coletivo. A maioria das obras são espelhos e fazem refletir.

Alissandra Rocha: Para uma obra “mexer” na sociedade, modifica-la, ela (a obra) deve tocar no código moral dessa sociedade, na tradição, posto que a vida em sociedade seja permeada por essas leis morais.

Claudio Rosa: Mas quando a gente diz espelho, mostrando e fazendo o receptor refletir, isso já não um martelo?

ARocha: Não é só a reflexão, é fazer a modificação também.

JKagyn: Veja o exemplo de Brecht: O que é o Teatro Épico? Brecht queria que o público assistisse, pensasse, usando a razão, para modificar. No nosso teatro “tradicional”, você faz o espectador sentir, purgar.. O teatro dramático não necessariamente faz o espectador agir, e sim purgar, se aliviar e se sentir diferente.

CRosa: Hoje? Qual é a necessidade da sociedade? Ter um espelho ou um martelo?

JKagyn: Eu acho que a necessidade, não é da sociedade e sim do artista. Mas vamos tomar o Romantismo como exemplo de transformação social. A nossa educação e a cultura ocidental são basicamente doutrinadas pelo pensamento romantinco, e quando digo isto não estou só me referindo ao amor romantico... O Romantismo (literatura, pintura, a música, filosofia..). modificou inteiramente a sociedade ocidental, e não só daquele período. Ou seja, foi martelo. Mas e vc Claudio, qual sua necessidade como artista?

CRosa: Passa desde de uma necessidade egoista, de querer expressar o que está dentro de mim. Mas ainda não há definição pra mim, do que é ser espelho e do que é ser martelo.

JKagyn: Por exemplo: Ricardo III espelha a maldade em cada um de nós. Mas vc purga isso, libera... A peças reflete o que somos, e nos dá um controle social, porque vc purga e se sente um cidadão melhor. Martelo, te faz pensar e agir na sociedade. Mesmo que não seja uma grande mudança social, mas que o receptor da obra se modifique. A minha necessidade é mista. No sentido de que, eu quero modificar o indivíduo. A sociedade é uma consequência maior... Fazer aquela pessoa pensar algo que ela nem pensavam, sentir algo que não sabia que podia sentir. Assim como Brecht, não me agrada levar a pessoa a um pensamento, manipula-la para chegar a uma conclusão exposta. O meu desejo é fazer pensar e sentir, e a partir daí deixar que a pessoa tome sua decisão, chegue a sua própria conclusão.

CRosa: Apontar e modificar. Vai de quem recebe a obra.

ARocha: Gostaria de ser Martelo. Gostaria de poder sim transformar uma dada sociedade. Mas entendo que é utópico, não porque a arte não dê conta disso, mas porque eu não acho que sozinha conseguiria fazer isso. Teriam que existir conjunturas favoráveis para a inserção de uma arte transformadora.

JKagyn: Acho que o teatro não é a melhor forma de modificar a sociedade. Vide Brecht. Ele escreveu coisas ótimas sobre uma sociedade, queria modifica-la, mas a sociedade alemã não se modificou em absolutamente nada, nenhuma sociedade se modificou com suas peças. Ao lutar contra o Capitalismo massificante, ao mesmo tempo, não enxergou o que acontecia no seu quintal, o crescimento da Alemanha nazista. Suas peças sobre o nazismo são posteriores ao que aconteceu, e ironicamente foram escritas nos EUA.

CRosa: Mas é inevitável o artista querer a mudança social?

JKagyn: Eu não quero. Não acredito numa mudança, como a Alissandra disse, É utópico!

CRosa: Mas se você coloca a obra na sociedade, vc já está modificando. Agora, grande atos, causar comoção...são outras coisas.

ARocha: Mas eu não acho que as modificações sociais acontecem com grandes atos, ou coisas grandiosas causando comoção geral... é a modificação ética que conta, indivíduo por indivíduo, modificando seu olhar sobre o seu meio. Observando e agindo.

JKagyn: Vamos pegar as obras máximas: gregos e seu conjunto de artes: modificaram. Shakespere... Eu quando assiti Shakespeare saí modificado.

ARocha: Mas não acredito que todos os que tiveram contato com Shakespere se modificaram. Podem ter se emocionado pela identificação, mas não agiram modificando-se ou modificando seu meio. Talvez o conceito de martelo e espelho, esteja no receptor. O que ele faz com aquilo que recebe. Shakespeare era ele próprio um espelho da sociedade em transformação, não foi sua obra o agente modifcador. Era ele também modificado pelo contexto social. A sociedade em que sua obra foi composta já estava em transformação e ele também participava de algo maior.

JKagyn: Então a arte é só uma parte do martelo e não o martelo em si?

ARocha: Mas também me pergunto se a arte dos gregos ( filosofia, teatro, arquitetura... ) nos transformou pela funcionalidade dela na sociedade. Se modificou todo um modo de lidar com o mundo é porque tinha uma função social.

CRosa: E a semana de 22? Martelo?

ARocha: Uma das partes do Martelo. Existiam outros aspectos a se considerar para que a Semana de 22 tivesse a visibilidade que teve.

JKagyn: Cenário Político, cultural e social, outras partes do martelo. Mas não acho que a Semana de 22 tenha sida uma ruptura com o que já existia ou uma “mudança”, foi apenas uma adequeção da arte aos conceitos já em desenvolvimento. Não ouve modificação social.

CRosa: Por exemplo, o que existe hoje em dia em São Paulo, a Virada Cultural. É uma mudança social.

JKagyn: Mas não tem nada a ver com cultura. É entretenimento. Não muda nada. A intenção de um evento como a Virada Cultural é de levar intretenimento ao povo. Não tem o viés ideologico de ser agente de transformação. Cada obra artistica que participa até pode ter esta intenção, mas o evento como conjunto não tem esta intenção.

Conclusão Aberta
A arte tem sim o poder de modificar, mas é apenas parte de um grande martelo. As mudanças acontecem “também” pela arte, mas não única e exclusivamente por ela.
 
posted by SuperNova at 14:09 |