14 maio, 2006
Participam da conversa: Alissandra Rocha, Claudio Rosa, Johnny Kagyn e Ricardo Avarih.

Ricardo Avarih:
Acho que a dramaturgia foi de certa forma colocada em segundo plano. O que vemos hoje são grupos com uma marca autoral muito forte. Será que a dramaturgia para teatro precisa acompanhar as outras mídias (linguagem de TV, cinema, etc.) para se tornar mais atraente?

Alissandra Rocha:
Mas como se explicam peças que fazem enorme sucesso de público? Como as comédias da dupla Marcos Caruso e Jandira Martini, do Falabella e de tantos outros? Não estamos falando de boa ou má dramaturgia, mas estas peças acabam por ser bastante atrativas para o público.

Ricardo Avarih:
Mas o que é este “algo” que existe nos textos deles que não se encontra em outros?

Johnny Kagyn:
Acredito que a questão deva ser vista por um outro foco. É simples ver o porquê do sucesso destas peças. Primeiro, são comédias, e as comédias são uma espécie de porto-seguro para o público, pois é mais garantido ir a uma comédia e rir do que ir um drama e se emocionar. Segundo, é que todos os autores citados têm um trabalho dramaturgico em suas peças. Eles não são autores escrevendo para teatro. São dramaturgos que escrevem com conhecimento de mecanismos da dramaturgia. O Falabella, por exemplo, foi aos EUA para estudar dramaturgia.

Alissandra Rocha:
Então este “algo” é o conhecimento da técnica?

Johnny Kagyn:
Sim. Acredito que é isso mesmo. Não podemos também afirmar que não temos dramaturgos e que não existe dramaturgia na cena paulistana. Temos sim, e podemos citar como exemplo Samir Yazbek, Mário Bortolotto, e alguns outros mais. Mas a questão é que maciçamente o que temos são “autores de teatro” e não dramaturgos. Pessoas que escrevem para teatro sem conhecimento técnico de dramaturgia, e que por extensão não podem ser chamados de dramaturgos. E porque isso acontece? Acredito que porque hoje existem poucos lugares onde você possa ir para estudar dramaturgia. E se existem poucos lugares para se estudar, por conseqüência poucos dramaturgos surgirão. Autores de teatro surgirão aos montes, dramaturgos não.
Sem falar que existe uma cena que colocou a dramaturgia em segundo plano. Temos um teatro de diretor, o teatro de pesquisas do ator, o teatro de linguagem de grupo... E a conseqüência é que a dramaturgia vai ficando na periferia e até se vai criando certa resistência ao teatro que parte do dramaturgo.

Alissandra Rocha:
Mas além da resistência eu acredito que também exista uma surpresa. A gente pôde viver isso quando fizemos à seleção de atores. Os atores ficavam surpresos com os dramaturgos encabeçando um projeto. Quer dizer, a propriedade da idéia continua nas mãos de quem criou os textos, e por isso existe uma resistência por não ser algo comum. Mas acho que existem muitos atores que estão dispostos a trabalhar dentro desta proposta, bastando que pra isso a proposta exista.

Claudio Rosa:
Mas para isso precisa existir a figura do dramaturgo, certo? Não basta apenas o autor teatral, aquele que escreve peças e pode até ter méritos de qualidade literária, mas que não tem o conhecimento técnico dos mecanismos da dramaturgia.

Alissandra Rocha:
Acredito que um dos problemas que levam a este problema de termos a dramaturgia hoje na periferia da cena teatral, é que nos últimos, sei lá, 30 ou 40 anos acontece uma separação entre forma e conteúdo. E então existem os que defendem que o conteúdo na dramaturgia é mais importante que a forma, e quando o conteúdo é mais importante do que a forma você tem o panfleto, você tem a bandeira de guerra, você tem a ideologia em primeiro lugar. E isto é desinteressante. E no segundo grupo você tem aqueles que têm a forma como o mais importante. O que acaba resultando na vanguarda pela vanguarda e no hermetismo. E quando existe esta cisão o teatro perde por não estar total. Talvez, a possibilidade de unificar as duas vertentes seja mais inclusiva para a dramaturgia. Pois a partir do momento em que você tem que buscar a melhor forma para um determinado conteúdo. E a melhor forma não virá apenas da dramaturgia, da direção ou ainda do ator. A melhor forma virá sempre do conjunto de soluções e camadas colocadas em cena.

Claudio Rosa:
Uma coisa... Na década de 60,70 nós tínhamos vários dramaturgos atuantes, certo? Tanto que talvez os nossos dramaturgos mais representativos advenham desta época. Qual seria a explicação para a figura do dramaturgo ter ficado em segundo plano, ou na periferia da questão teatral como o Johnny disse, se já houve momento histórico tão diferente?

Johnny Kagyn:
Temos que lembrar que nesta época, que é quando o teatro moderno surge no Brasil, aconteceu um movimento muito forte e organizado. Primeiro com o TBC e os encenadores estrangeiros que trouxeram os novos autores europeus e americanos para acena brasileira, depois com o Arena, que foi um grupo que se reuniu para encontrar uma linguagem própria, o chamado teatro nacional, mas através do estudo técnico. Então no Arena foram estudadas as técnicas da direção, técnicas para o ator e também técnicas dramaturgicas. Ou seja, nada aconteceu por acaso ali. Inclusive, um dos poucos lugares para a formação de dramaturgos continua a ser o Arena através do SEMDA, Seminário de Dramaturgia do Arena, hoje tocado pelo Chico de Assis. Mas houve todo um movimento de estudo e aprofundamento técnico para se obter os resultados, como por exemplo, de uma peça como “Eles não usam Black-Tie”. E lógico que isto teve reflexo na formação dos outros dramaturgos daquela geração. Mas depois da década de 60/70, eu não tenho conhecimento de mais nenhum “bum” no sentido de surgimento de dramaturgos. Sempre surgiu aqui e acolá um ou outro. Mas de forma tão maciça...

Ricardo Avarih:
O que aconteceu foi mais um movimento de surgimento de grupos. No sentido que nasceram vários grupos, com linguagem própria e qualidade muitas vezes inquestionável, mas que eram frutos mais de um foco no ator e na direção que propriamente na dramaturgia. E começou a surgir a figura do cara que escreve para teatro e faz o seu teatro de um homem só, sem ás vezes ter conhecimento adequado de todos os processos.

Alissandra Rocha:
Mas este é justamente o autor de teatro e não o dramaturgo. É aquele ator que resolve escrever, tendo conhecimento do seu oficio de ator, mas sem nenhum domínio sobre técnicas de dramaturgia, ou ainda o diretor que conhece e domina o oficio da direção, mas também não tem conhecimento de dramaturgia.

Johnny Kagyn:
Sem falar naqueles que não tem conhecimento técnico nem como ator, nem como diretor e nem como dramaturgo, mas que fazem de tudo...

Claudio Rosa:
Mas voltando um pouco. Tirando o SEMDA, que ainda existe, onde as pessoas que querem ter conhecimento técnico podem ir para estudar?

Johnny Kagyn:
Sim. Este é um grande problema. O próprio SEMDA é um pouco restrito e pouco conhecido, pois não é uma escola com fins comerciais. Nas em poucas universidades o curso de Comunicação e Artes oferece a matéria dramaturgia. Inclusive parece que nem na USP, a Alissandra pode confirmar, pois cursou a ECA-USP, existe a matéria dramaturgia.

Alissandra Rocha:
Realmente não existe. E o que muita gente faz é fazer uma optativa em cinema para roteiro. O que acaba sendo uma saída, mas não é o ideal.

Claudio Rosa:
Então vocês acham que se, por exemplo, se estabelecesse a dramaturgia como matéria na USP, e se formassem 5 dramaturgos a cada curso, que seria uma solução?

Alissandra Rocha:
Seria um bom começo.

Johnny Kagyn:
Concordo. Pois isso com o tempo multiplica-se. É preciso lembrar que a universidade forma também professores. E com mais professores de dramaturgia a conseqüência é ter também mais dramaturgos e menos “autores de teatro”. E hoje o que acontece muito é autor de teatro dando aula de dramaturgia... (risos) O que é de certa forma uma perversão.

Conclusão aberta:
Existem sim muitos dramaturgos na cena atual. Porém é inegável que a dramaturgia foi relegada à periferia da questão teatral. Também é inegável o grande número de “autores de teatro” que não são dramaturgos, o que corrobora para que a cena seja dominada pelo teatro de pesquisa do ator e de estética do diretor. Pois de certa forma a falta de qualidade nestes “autores de teatro” justifica a busca por caminhos alternativos. Um caminho possível é o da formação de dramaturgos e para isso precisam existir mais “escolas”.
 
posted by SuperNova at 12:54 |